Por
Bárbara Souza *
barbarasouza.bahia@gmail.com
Colaboraram: Maria Ísis e Renata Drews
Melhor ceder logo, desde
o título, à tentação do trocadilho com o nome da entrevistada. Não por
comodidade, mas por sabedoria poética e deferência a Drummond. ‘Lutar com
palavras é a luta mais vã’. Rendemo-nos ao lirismo para reverenciar nossa homenageada
neste 7 de abril, Dia do Jornalista. A ideia da entrevista nasceu quase como uma
brincadeira, um desafio profissional de fazer perguntas originais em forma e conteúdo.
A editora-chefe do jornal Correio a piauiense Linda Bezerra fala ‘de um tudo’.
De como seus sentidos apreendem Salvador, às suas memórias afetivas e olfativas
do seu primeiro carnaval na cidade. Dos ingredientes do bom jornalismo ao único
motivo que lhe faria raspar sua longa, famosa e indefectível cabeleira. No
bate-papo meio psicanalítico e completamente despretensioso que tivemos durante
mais de uma hora na Redação do Correio, Linda falou sobre vida, morte, loucura,
amor, jornalismo, música, viagens. Escalou até os craques que comporiam sua Seleção
Brasileira de futebol. Mais: revelou o que quer fazer depois de se aposentar:
quer viajar pelo mundo em busca de lugares e pessoas que mantêm preservada uma
originalidade ancestral. “Gostaria de registrar homens, seres humanos virgens,
no sentido de serem verdadeiramente espontâneos”. Como diria uma certa jornalista com nome de
sambista: “Genial”. Com vocês, Linda Bezerra da Silva.
Fotos: Maria Ísis
Você é do Piauí, mora há anos em Salvador, sempre
fala sobre seu amor pela capital baiana. Eu queria pedir que você
descrevesse esse amor a partir do que seus sentidos mais amam: ou seja, qual o
sabor de Salvador que você mais ama? Qual é o cheiro, a imagem, a textura e os
sons que são parte desse amor pela cidade?
Linda Bezerra: Eu gosto
tanto de Salvador que até – vou ser bem exagerada – que até no xixi de Salvador
há em mim uma memória afetiva. Por exemplo, quando eu cheguei aqui, passei uns
cinco dias no carnaval de Salvador. Eu não ia pra casa. Passei os cinco dias
entre o Campo Grande e a (praça) Castro Alves. E eu me lembro até hoje daquele
cheiro de xixi do carnaval. Não é que eu esteja celebrando o xixi, o descuido
de Salvador de fazer xixi na rua. Não é isso. O que eu estou dizendo é: essa
cidade, esse xixi que maltrata Salvador é também um aspecto da cidade. Porque
Salvador ela tem uma beleza natural e ela recebe essa atenção e esse cuidado do
seu povo, e esse descuidado também. Salvador é um cheiro de xixi. Salvador tem
um povo...acho que o sentido que mais me fascina é o meu olhar...é o meu
olhar. Porque eu acho que Salvador sem esse povo que habita em Salvador
não seria a mesma cidade. Eu fiquei muito feliz com o resultado da Copa do Mundo
(em 2014), da impressão que os turistas tiveram de Salvador na Copa do Mundo.
Ninguém falou de pontos turísticos. O que encantou a ‘turistada’ que esteve
aqui foi o povo de Salvador! De fato, me encanta ir para uma festa de largo.
Mas não é o pagode, não é nem a procissão, mas é quem faz a procissão. É o povo
de Salvador que me encanta. Eu acho inclusive que esse povo está um pouco
desaparecendo. Se você for no shopping, você vê um mooonte de gente
vestida igual, um mooonte de gente parecidinha assim. Então, você vai na
Feira de São Joaquim, você ainda encontra esse povo; você vai na Sete Portas,
você ainda encontra esse povo; na Barroquinha, na Piedade, você encontra esse
povo, sabe? Acho que o sentido mais me
aguça Salvador é o olhar, mas eu amo Salvador em todos os aspectos: o cheiro, as
cores...Eu acho que de fato, a melhor forma de apreender Salvador é aguçando os
sentidos: o olfato, o olhar, o tato, sabe? Salvador tem uma textura, tem um
som, tem um jeito...(pausa). Por exemplo, eu fui a pouquíssimos lugares no
mundo. Um deles,por exemplo, foi Paris. Aí, o povo falava “ah, a cidade luz,
não-sei-o-que, nãnãnã”. Mas quando eu cheguei lá, o que mais me
encantou...claro que a história da cidade é maravilhosa e tal. Mas havia uma
aura, uma alma na cidade, uma coisa mais imaterial, que não está no livro. Como
é espiritual, eu acho que a língua não traduz. É mais um sentimento. Eu acho
que aqui em Salvador, essa coisa imaterial o povo traduz com seu jeito.
Você veio pra cá com quantos anos?
Linda Bezerra: Pra
Salvador, eu vim em 88. Pra a Bahia, eu vim em 81. Eu tinha 16 anos e eu fiquei
em Barreiras, que é Oeste, é outra coisa. Não é Recôncavo, não é Salvador.
Então, quando você tinha 20 anos, já estava em
Salvador?
Linda Bezerra: Não, eu
vim para cá com 23 anos. Agora eu estou com 51.
Tem um livro de João Falcão, “A dona da história”,
que virou filme e peça de teatro, e que é um encontro inusitado entre uma
mulher de seus 50 anos com a versão dela aos 20 anos. Se você tivesse a chance
de conversar com a Linda Bezerra de 20 anos, você daria algum conselho especial
a ela? E mais: tem algum ímpeto, alguma coisa que vicejava naquela época e
que você gostaria de resgatar?
Linda Bezerra: Eu diria
a ela: viaje pelo mundo e descubra sons, sabores. Eu volto à questão dos
sentidos...eu acho que você foi muito feliz com a pergunta dos sentidos. Eu acho
que o ser humano não pode abrir mão dos sentidos, em todos os aspectos: do
olhar, do toque, do olfato, do paladar. Acho que a gente precisa apreender o
mundo pelos sentidos e por outros, porque há. O sentido do sentir, de sentir
pela alma, de uma sensibilidade que é intangível. E eu dou esse conselho para a
(Linda) de 51 anos também. E vou dar para a de 56 e para a de 60! Certamente, é
preciso viajar pelo mundo! Eu tive contato com um alto executivo da Agenda
Bahia e ele citou uma coisa...que se derem para um americano duas horas para
ele almoçar, ele vai se sentir ofendido. Porque o americano é movimento, ele
inventou o drive-thru. Agora, se você tirar as duas horas do francês, para ele
almoçar e degustar o vinho, e degustar a comida, você mata o francês. Eu
realmente diria para a menina de vinte anos: ande! E conheça o homem. Eu sou
encantada pela Humanidade!
Você vai fazer isso?
Linda Bezerra: Eu tenho
um projeto pessoal de registrar, assim como fez o maravilhoso fotógrafo
Sebastião Salgado, o mundo original. Ele fez acho que é “a origem” o nome do
livro, enfim, mas é um livro que registrou os lugares que ainda estão quase
virgens, a natureza virgem. Eu gostaria de registrar homens, seres humanos
virgens, no sentido de ser verdadeiramente espontâneos, de ser ele mesmo. É
claro que todo mundo de alguma forma se transforma, é pautado. Mas em alguns
ainda resta um jeito que ainda não foi muito burilado. Eu queria viajar pelo
mundo atrás dessas pessoas que ainda guardam um jeito particular de ser.
Pessoas que guardam uma particularidade que possa contar: olha, um dia a
humanidade foi assim. Veja e eu não estou lamentando que estamos mudando. Não!
Eu queria era guardar essa humanidade, registrar essa humanidade. A humanidade
tinha algo assim. Eu gosto tanto do ser humano que talvez um dia esse resgate,
esse registro fosse útil para mostrar “olha a humanidade já foi assim”. É um
projeto pessoal daqueles que pode não ser realizado, mas o fato de eu pensar
nele já me alimenta bastante
Se você tivesse a oportunidade de entrevistar
sentimentos e fatos da vida, por exemplo, qual desses três personagens você
escolheria para fazer um perfil: o amor, a morte ou a loucura?
Linda Bezerra: Puta que
pariu! Eu amaria fazer dos três! A morte é uma das coisas que mais me
impressionam na vida. O amor, o amor...o amor é o amor, é o que move tudo. A
loucura me impressiona porque é um lugar onde nós não chegamos, eu digo: nós,
aqui. Ficando no lugar de lúcidos...porque isso é uma maluquice. Porque é uma
questão de lugares. Porque eu –digo eu, a Humanidade – estou nesse lugar que
dizem ser o da lucidez e fulano está no lugar da loucura. Mas, para eu não dar
uma de libriana indecisa, eu escolho a morte. Acho que verdadeiramente a morte
é a única certeza que o homem tem na vida. A loucura não tem certeza, o amor
não tem certeza.
A morte é de Exatas, né?...
Linda Bezerra: Isso! A morte é de Exatas. A sorte, talvez, de quem reflete sobre a
morte é não saber o dia que vai morrer. Esses dias eu tive um diálogo com meu
neto, Caio, que me disse: “minha avó, você gostaria de saber o dia que vai
morrer?”. E eu disse: e você? Eu tive que devolver a pergunta...ia responder
pra quê?...(risos) Ele disse: “eu gostaria porque se eu souber que vou morrer,
até lá eu decido o que eu quero fazer”. Eu não sei se eu quero saber. Eu não
sei...Nesse momento, eu não quero saber. Definitivamente, não quero. A morte é,
de fato, o personagem que eu escolho para fazer o perfil. E eu ia dizer para
ela: que sacana que você é, que escrota! Eu me debato com amigos queridos que
já superaram essa discussão, que já estão na quinta dimensão, já estão nos
universos paralelos. Eu realmente sou muito, mas muito, muito, muito pequena
nesse assunto. Acho uma escrotidão que a humanidade tenha que se deparar com
esse paradoxo vida- morte, com esse racha, sabe? Eu ia entrevistar ela: “que
porra é essa, velho?” Porque quem é que tem o poder? Quem tem a última
palavra? É a morte. Tem uma música de Gilberto Gil nesse último show, nessa turnê com Caetano Veloso, que
é simplesmente genial. Eu acho que Gil fez aquilo para dar uma resposta já a si
mesmo. Pouca gente ouviu a música. A música é terrível. Ele diz o seguinte: “eu
não tenho medo da morte, eu tenho medo de morrer”. Ele tem medo da passagem.
Porque, depois da passagem, já foi. Eu gostaria de mostrar para vocês (começa a
buscar no celular). Não pode passar despercebida.
Não ouvi ainda...
Linda Bezerra: Vocês
vão ter que ouvir. Vocês provocaram, agora vão ouvir! (risos)
Se fôssemos pautar matérias de jornalismo de dados
biográficos, digamos, as estatísticas ‘dos amores de Linda Bezerra’ renderiam
uma boa série de reportagens? Se a gente fosse fazer pautas sobre ‘os amores de
Linda Bezerra’, daria uma série de reportagens, uma matéria ou só uma notinha?
Linda Bezerra: Renderia
livros, compêndios! Até porque eu não estou enquadrando amores, apenas
amores...Eu sou uma pessoa que ama. Eu tenho amigos queridos. Como a minha
família biológica foi um processo, é um processo, então ao longo da vida, e nos
lugares que estive, fui juntando amores. Eu considero você (Bárbara) um amor.
Eu considero Maria (Ísis) um amor. Renatinha (Renata Drews) ainda tá...(risos)
Um amorzinho?... (risos)
Linda Bezerra: Um amorzinho.
(risos) Então, eu fui reunindo amores por onde eu passei. Eu já me desliguei
dessa coisa do tempo. Ah, mas a gente só se encontra no trabalho? Foda-se,
sabe? Acho que com o tempo escasso, com todas as atividades que nós temos, e
tempos, e amores, e atenções, a gente não consegue fazer esses encontros
sistemáticos. Não acho que amor é só presença. Amor é sentimento. Eu calculo o
amor pelo que eu sinto pelas pessoas. E veja, veja (enfática): o cálculo da
profundidade sai de mim. Às vezes, eu mantenho amor por pessoas que eu nem sei
se me amam. Nem sei se me amam! Mas, enfim, de fato o amor tem que ser
alimentado, essa coisa toda. Quem ouviu Jane e Erondi, “o amor tem que
ser alimentado em pequenas coisas e nós já não temos” (gargalhada). Mas,
eu necessariamente não preciso que seja essa via dupla, igual. Tanto que meus
casamentos, de dividir casa, escovas, cama, eu só saí quando eu quis sair. Eu
fiquei dois anos percebendo que o sentimento do lado de lá já não era o mesmo,
mas eu continuei. Eu queria, digamos assim, gastar em mim para sair com menos
bagagem. Eu sou amiga de todos os meus relacionamentos. Os que não querem ser
meus amigos, paciência. Você pode deixar de dividir cama, mas não deixa de amar
assim a pessoa.
Eu me arvoraria a dizer que dois dos seus amores
são a gastronomia e o jornalismo. Quero fazer uma mistura das duas coisas: qual
seria o cardápio de um bom banquete jornalístico?
Linda Bezerra: Seria ter
informações importantes para as pessoas, sempre. O melhor banquete é aquele que
é servido para o leitor. O banquete jornalístico tem que ser servido para o
leitor. O jornalista é um serviçal do leitor. Partindo dessa premissa básica e
primordial: é preciso se colocar no lugar do leitor para saber o que ele quer.
O jornalista, para servir um bom banquete, ele precisa ser um bom leitor antes.
Sendo um bom leitor, o jornalista saberá o que quer comer e, portanto, saberá o
que servir para o leitor.
Ele vai saber do que o leitor tem fome...
Linda Bezerra:
Exatamente. Do que eu, como leitora, tenho fome? No meu banquete teria:
informações importantes, relevantes para as pessoas, mas principalmente teria
histórias que não são devidamente contadas, e bem contadas. Eu acho que o
jornalista está perdendo a capacidade de se debruçar sobre histórias únicas,
histórias particulares. Porque, veja, não é só o aumento do salário mínimo que
transforma a vida das pessoas. O banquete do jornalista é que ele traga
histórias que transformem, que operem transformações na vida das pessoas, que
te toque, te faça refletir sobre o mundo.
O fato de que a revelação feita recentemente (a
entrevista foi feita em novembro de 2016) pela jornalista Fernanda Gentil
sobre estar namorando uma mulher virar notícia e ter tido tanta repercussão na
mídia contribui para o avanço do respeito à diversidade ou revela o quanto
ainda estamos atrasados nesse aspecto?
Linda Bezerra: Eu acho
que revela as duas coisas. Acho que revela que ainda precisamos que pessoas deem
esse tipo de depoimento porque chamam atenção, tiram da pauta do assombro
determinados assuntos, portanto, revela atraso. Poderia ser algo muito mais
natural. Eu não vejo nenhum problema que as pessoas falem sobre sua vida
pessoal, desde que elas decidam fazer isso. Não acho que as pessoas são
obrigadas a falar de sua vida particular, que é uma questão de foro íntimo.
Cada personalidade deve decidir o que falar sobre sua vida. Isso é uma coisa
que tem que ser respeitada! Se Fernanda Gentil, ok para ela, é uma decisão
dela. Agora, se eu decidir não falar da minha vida, é uma decisão minha. Acho
que uma lei básica para a humanidade é: o indivíduo tem que ter a supremacia
sobre suas decisões, sobre seus atos, seus afazeres. Claro: desde que não vá
ferir o outro. Porque aí já sai do individual. Eu acho, e acho mesmo – não estou
fazendo um discurso – que se o indivíduo fizesse suas mudanças individuais, a
humanidade seria melhor. Porque reflete no coletivo que você, no individual,
que você tome suas decisões e que não resvale no outro, não interfira na vida
do outro. Se eu separasse meu lixo, isso refletiria no coletivo, sabe? Eu não
acredito em mudança que não parta da pessoa. Eu não acredito que prefeitura
mude, que governo mude, eu acho que o indivíduo é que tem que ser transformado.
Agora, quando é que prefeitura muda, que governo muda? É quando proporciona as
ferramentas para eu mudar: educação, saúde etc.
Por falar em coletivo, você conseguiria
escalar 11 jogadores para uma Seleção Brasileira, pode ser atemporal,
com os nomes que vierem à sua mente?
Linda Bezerra: Não
consigo, não, porque sou uma pessoa que não lembro nomes. Mas eu conseguiria
listar nomes que eu colocaria na minha seleção. Eu colocaria Pelé, embora seja
uma figura muito desconectada, né? Pelé me irrita um pouco porque ele é
desconectado de onde ele veio. Eu não gosto que as pessoas se desliguem do seu
ambiente social. Acho isso um defeito humano. Mas, tecnicamente falando, eu
colocaria Pelé. Eu colocaria Neymar, sim! Certamente, eu colocaria Neymar. O
melhor de todos, o que se casou com Elza Soares: Garrincha. Se eu te listar
aqui cinco e faltarem seis nomes, eu colocaria seis garrinchas. Eu prefiro uma
Seleção que jogue artisticamente. Não nego a tecnologia, mas eu
gostaria que essa seleção tivesse graça no jogar, a perna que rouba a bola,
sabe? Não é saudosismo, é a graça. Eu colocaria esse menino novo, Gabriel
Jesus. Goleiro seria Taffarel, eu tenho uma memória afetiva de Taffarel. O
resto eu completaria com Garrinchas.
A gente que convive um pouco com você percebe que
seu cabelo é sempre muito bem cuidado, cheio de viço, cheiroso, o que deve dar
muito trabalho...
Linda Bezerra: Muuuuito,
muitíssimo trabalho! (risos)
Pois é...(risos) Isso nos leva a imaginar todos os
cuidados e o prazer que você tem em mantê-los. Seu cabelo comprido e grisalho é
uma marca forte da sua imagem e personalidade. Se você fosse fazer uma promessa
para alcançar uma graça, que tipo de graça faria você prometer raspar o cabelo
ou cortar bem curtinho?
Linda Bezerra: Que uma pessoa da minha
família, que tem disfunção emocional, ficasse boa. Esse é um sacrifício que eu
faria por esse motivo. (Com a voz embargada) Por nenhum outro. O cabelo pra mim
é uma identidade. E uma identidade voltada para uma originalidade que eu
persigo. E para uma liberdade de expressão que eu persigo. E eu estou falando
de uma liberdade de expressão...essa liberdade que se diminui ao que você
trabalha numa empresa que o dono é político. Acho isso é uma ‘bobageira’.
Vocês conhecem minha opinião sobre isso. Isso é trabalho. Estou falando
individualmente da liberdade de querer ser o que se é, de querer ser ou de
querer chegar no que se quer ser. Então, o cabelo representa...não pintar
o cabelo: isso é uma decisão dos 12 anos, eu tenho uma mecha branca no cabelo
desde os meus 12 anos. Não pintar o cabelo não é simplesmente uma rebeldia
contra a indústria da tintura, não é nada disso! É simplesmente uma tentativa
uma busca de ser o que se é. De tentar ser espontânea, ser original, ser eu
mesma. De tentar me livrar de máscaras. Vai dizer que eu não tenho? Tenho milhares
de máscaras. Mas derrubá-las é melhor para mim. Outra coisa: eu sou uma pessoa
pragmática, uma pessoa prática. Por exemplo: eu amo batom, eu amo pintar a
unha. Mas quem é que me vê de unha pintada e batom? Porque é preciso um ritual.
Não é que eu não goste de ritual. Adoro rituais. Mas tem alguns que eu acho que
me levam tempo demais. Eu, inclusive, durmo muito pouco. Durmo cinco horas.
Porque acho que dormir é perda de tempo. Mesmo. Sinceramente. Aí eu sei que
estou perdendo tempo porque quem dorme pouco vai morrer mais rápido, mas vou
morrer de qualquer jeito. Mas acho mesmo que às vezes você perde tempo com
coisas que só vão lhe atrapalhar. Imagine toda semana pintar o cabelo porque
apareceu um fio branco. Estou falando do ponto de vista prático. Acho que você
assume a sua personalidade, você fica bonita. Descobri isso também. A beleza
passa por isso. Eu me acho bonita, acho mesmo. Óbvio que se eu me olhar no
espelho e começar a procurar as imperfeições e tal. Mas de fato eu me acho
bonita, me acho bonita mesmo. Eu não estou falando de padrão de beleza, da
miss, das Giseles. Estou falando de uma beleza que eu sinto, é um sentimento.
Agora, me cuido para que esse sentimento não vire uma firula, me cuido, tento
me cuidar e tal. Mas de fato, eu quero..que saia pelos meus poros..eu
mesma. Acho que é identidade, é beleza, é originalidade ser eu mesma.
Tanto que eu poderia ter passado um batom para essa porra dessa entrevista
(risos), mas nem me lembrei disso, sabe?
Você tem um lado, assim, Lulu Santos, você vê
a vida melhor no futuro?
Linda Bezerra:
Puta-merda, eu tenho! Às vezes, isso é tão ruim. Eu preciso viver mais no
presente. Eu preciso viver realmente (!) mais no presente. Eu sempre acho que
vou andar por aí, aguçar mais meus sentidos, quando eu me aposentar (Nota:
Linda concedeu a entrevista em novembro de 2016). Mas, poxa, sejamos realistas,
né? Falamos da morte...O que é mais presente? É a morte. A morte é mais
presente que a vida.
A sua fé te ajuda a se preparar para esse “morrer”
que Gilberto Gil falou, na música?
Linda Bezerra: Eu
tenho, mas ainda não encontrei a faceta da fé que vai me ajudar nisso.
Qual foi a faceta da fé que você encontrou?
Linda Bezerra: Para
viver! Porque viver é tão difícil quanto morrer! Não se engane, não. Viver é muito
difícil, é muito difícil. Eu olho para as pessoas que têm depressão e não
conseguem se levantar da cama. Você acha que não tem dias que a gente e não tem
vontade nenhuma de levantar da cama? Viver é muito difícil. A minha fé me ajuda
a viver. A morrer não está ajudando ainda. Eu já fui no espiritismo. Eu bebo
vegetal. Já me estirada, já me vi velhiiinha no vegetal. Aquela visão
poderia, sim, me ajudar a dizer “poxa, você vai viver pra caramba”. Eu gosto de
viver, eu gosto do mundo, eu adoro as pessoas, eu amo o que o ser humano criou.
Se eu pudesse escolher, eu queria ser Renascentista. Eu queria ser (Leonardo)
Da Vinci. Linda, você quer ser quem? Eu quero ser Da Vinci. Eu quero ser alguém
que tem conhecimento. Não o conhecimento desse mundo, do que as pessoas
criaram. Por isso que eu não tenho preconceito com as redes sociais. Eu não vou
discutir com os robôs que vão surgir depois de nós. De jeito nenhum. Certamente
eu vou achar graça e beleza, se eu aqui estiver. Eu não sou uma pessoa que
lamenta, que gosta de ficar lamentando as perdas. Uma vez eu escrevi um artigo
sobre o número daquela comida japonesa que parece um cone que virou moda aqui.
Temaki. Eu escrevi que era capaz de eu encontrar dez temakerias no Rio Vermelho
e dois acarajés. Mas eu não tava lamentando a chegada da temakeria. Eu tava
lamentando era o sumiço do acarajé!
Está vendo aí? Nem doeu?...
Linda Bezerra: Eu
espero que não tenha doído para vocês. Agora, espera aí que eu vou procurar a
música de Gil pelo Youtube, porque eu não sou Alice. Porque vocês vão ouvir!
(risos) .
* Bárbara Souza é jornalista e coordenadora do curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia (FSBA)