12 de junho de 2012

Donos nervosos, bichos estressados

Stéfano Lima, veterinário. Fotos: arquivo pessoal
Por Décio Calado

Ter um animalzinho de estimação é tudo de bom. Mas longe das preocupações básicas, como alimentar, dar banho e levar para fazer xixi, criar um cão ou gato saudável depende principalmente do proprietário e do ambiente em que o bichinho vive. Agressividade, hiperatividade, falta de disciplina, destruição de objetos, entre outros comportamentos, são os primeiros sinais de que os animais podem estar sofrendo algum distúrbio.

[É permitida a reprodução parcial ou integral deste texto com a creditação da fonte: Décio Calado/ABAN]

Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos para Animais de Estimação (Anfalpet), em uma pesquisa feita em 2011, o Brasil tem 34,3 milhões de cães, e 18,3 milhões de gatos. Para o veterinário Stéfano Lima, que estuda e trata dos distúrbios comportamentais em cães e gatos, a estimativa é que 75% deles possuem algum distúrbio psicológico. “Os cães e gatos são seres sociais, e privá-los de contato social pode levá-los a desenvolver algum distúrbio psicológico”.


Os transtornos, que independem de idade, geralmente são desencadeados no animal de estimação que passou por alguma exposição traumática, como ter vivido em ambientes muito pequenos, ou ficar muito tempo sozinho, ou ainda não receber estímulos para brincar e praticar uma atividade física. Os distúrbios podem também estar relacionados ao fator genético, ainda que isso seja menos comum. “É importante saber que o organismo, e o psicológico do animal, não é igual ao humano, então tem que se respeitar da forma que ele é”, diz Lima.

Quando o administrador de sistemas Krishnamurti Nunes percebeu que seu gato estava com feridas na pele, vermelhidão e falta de pelo, levou o felino imediatamente ao veterinário. Os exames inicias do gatinho “Che” não indicavam nenhuma anormalidade. "Fizeram exames para tentar identificar qual a causa e inicialmente pensou-se que fossem alguma alergia ou outras doenças específicas de pele", conta. Só após passar por uma consulta de um clínico-comportamental, foi constatado que o gato sofria de um Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) que faz o animal lamber os mesmo lugares, provocando lesões.

“A lambedura psicogênica é causada por um distúrbio de ansiedade que faz o animal se lamber até ferir”, foi o caso do gatinho Che, como explica Stéfano Lima. Che ainda está sob tratamento e faz o uso de medicamento controlado, ''as feridas na pele sumiram, os pelos estão voltando a crescer, e o comportamento dele no geral está bem melhor'', conclui Nunes.

Diferenças

Para Rogério Gomes, veterinário graduado pela Universidade Federal da Bahia, não tratar o animal como gente é o primeiro passo para construir uma relação sadia, já que o bichinho acaba suprindo involuntariamente algumas necessidades emotivas do dono.

Cães são mais influenciáveis do que gatos
Diferente dos cães, os gatos tendem a ter uma menor influência dos seus donos, até porque os felinos têm uma personalidade forte. Ir contra essa característica pode resultar em agressão por parte do gato, como forma de reação. Com os cães, há uma maior abertura, “se a gente for levar em consideração que o dono é a relação mais próxima que o cachorro tem, o comportamento do proprietário poderá influenciar o comportamento do cão, principalmente porque o animal aprende por imitação”, diz o veterinário. 
Gomes enfatiza que com esta aproximação, o próprio dono induz o cão a desenvolver alguns tipos de comportamento. O bicho absorve muitas coisas que não deveriam fazer parte da rotina de um animal. “Pelo fato de a gente gostar muito, queremos tratá-lo como se fosse igual, mas o bicho não entende alguns comportamentos que a gente tem”, conclui.

Geralmente o clínico comportamental levanta com o proprietário do bicho informações de como é o comportamento do animal, além de fazer uma avaliação no consultório. Após a leitura desses dados, o médico pode chegar a um diagnóstico de doenças como distúrbio de ansiedade, gravidez psicológica, esquizofrenia, agressividade, entre outras. O tratamento, que tem a função de desenvolver e restabelecer os laços psicológicos entre animais e humanos, é baseado na modificação ambiental.

Atividades

Na maioria dos casos, o tratamento inclui fazer o pet praticar atividades, correr, se exercitar. Também é recomendada uma mudança comportamental, que é a interação com outros seres vivos em geral. Frequentemente as duas medidas são associadas. A depender da gravidade do caso, é inserido também o uso de medicamentos.

Stéfano Lima alerta ainda para o comportamento extremo que um cão ou gato com um distúrbio psicológico podem vir a desenvolver, caso não seja tratado adequadamente. “Quando o animal entra em um surto, muitas vezes ele expõe forças anormais; agressividade num estado feral, tornando-se praticamente um selvagem; rói objetos de maneira assustadora”, adverte o especialista. Nos casos mais graves, os bichinhos desenvolvem problemas crônicos de pele, as chamadas dermatoses psicossomatizadas, que têm entre os sintomas queda de pelos, feridas, descamação do couro, ou até mesmo as lambeduras compulsivas.

A falta de informação faz com que alguns sintomas sejam tratados como doença, quando na verdade são consequências de um distúrbio. “Se não houver um tratamento adequado, o problema voltará”. Em casos graves, pode até ocorrer a morte do bichinho. “A morte certamente será causada por complicações no sistema imunológico”, alerta Lima.

Tamanho do bicho escolhido deve combinar com o espaço onde viverá
Antes de adquirir um pet, é importante observar qual é a raça, tamanho e tipo de animal que combina com o ambiente onde se vive e com as pessoas que vão conviver com ele. Vale inclusive pensar se seria mais interessante ter um cão ou um gato. “As pessoas às vezes compram bichinhos como se fossem mobílias da casa, pela beleza, e nem procuram saber qual é o comportamento normal”, diz Lima. A responsabilidade começa na escolha, pois, como diz o veterinário, bicho “não é um objeto, não dá para tirar a pilha e guardar na estante”. 

Mais informações:

>> Pet games dinamizam a vida dos bichos

>> Semelhanças psicológicas entre os pets e a gente



Reportagem em vídeo sobre o assunto

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