12 de agosto de 2016

Pacientes e ex-pacientes de hospitais psiquiátricos chamam atenção para a importância do Movimento da Luta Antimanicomial

Caros seguidoras e seguidoras da ABAN,

Em 2016, o Movimento da Luta Antimanicomial celebra os 15 anos da Lei da Reforma Psiquiátrica (nº. 10.216/2001). A data simbólica provoca reflexões, que são instigadas por obras como o documentário A Loucura entre Nós, da cineasta Fernanda Vareille, que estreou neste mês de agosto em Salvador, e o filme Nize, o Coração da Loucura, de Roberto Berliner e estrelado por Glória Pires, que mostra a batalha de uma médica para mudar os rumos das prescrições de eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia. Os estilhaços de vidas “quebradas” por tratamentos desumanos e ineficazes chegam até nós através dos relatos de dor e sofrimento de pacientes e familiares. Embora não seja novidade o uso terapêutico da arte em espaço clínico, sempre vale a pena relembrar o quanto o processo artístico transforma, por meio da expressão e da produção de saber.

A luta de pessoas como Nize ecoa nos dias atuais e traz a esperança de um novo olhar para o que não se encaixa nos padrões de normatividade. Cleya Oliveira, repórter da ABAN, conversou com o ator e produtor do espetáculo Quem está Aí?, que deixou saudades após ser apresentado no Teatro ISBA, no semestre passado. O elenco da peça é formado por pacientes e ex-pacientes de hospitais psiquiátricos, o que torna o espetáculo ainda mais especial. Para relembrar e torcer por uma nova apresentação, segue o texto!

Foto: Faculdade Social da Bahia

“Somente gente como a gente pode nos curar”


Texto: Cleya Oliveira

Diagnosticado com esquizofrenia e dupla personalidade, José Raimundo dos Santos, 48, é ator e paciente do Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) do bairro da Ribeira, em Salvador. Para ele, a arte transforma e devolve a integridade. “Através dela, temos a organização como pessoa”, explica. Bem humorado e sagaz, ele faz uma relação entre seu quadro clínico e a dramaturgia. “A nossa vida é um teatro. Hoje, estamos de um jeito, amanhã, de outro. Às vezes, viramos outra pessoa”, reflete.

Integrante do grupo Insênicos, que em parceria com o Bando Flores da Massa levou ao palco do teatro ISBA o espetáculo Quem está Aí?, José Raimundo quebra estereótipos ao falar e encenar sobre sua própria vida. Para a psicóloga e diretora musical do grupo, Renata Berenstein, que também é atriz, o objetivo do trabalho é desmitificar a condição do doente mental e aproximar o público da sua realidade. Tanto o Insênicos quanto o Bando Flores da Massa são formados por pacientes e ex-pacientes que estiveram internados em hospitais psiquiátricos e decidiram expor suas experiências, através das linguagens do teatro, música, vídeo e poesia.

Foto: Faculdade Social da Bahia

A jornalista e estudante de psicologia da Faculdade Social da Bahia (FSBA), Daphne Carrera, que também participou do processo de organização do espetáculo, apresentado ao público em maio, não disfarça a emoção ao ver trajetórias como a de José em cena. “Esse tema é invisível para a sociedade, o objetivo é tornar a 'loucura' visível”, expõe. Ela alerta para o fato de que muitas pessoas não conhecem a verdadeira realidade do manicômio, nem mesmo os familiares dos pacientes, que, muitas vezes, internam um parente por achar que é a melhor solução quando, na verdade, estão prejudicando-o. O Movimento da Luta Antimanicomial é caracterizado pela reivindicação de que a pessoa com sofrimento mental tenha o direito de ser livre, apesar da sua condição. A motivação principal é combater as abordagens clínicas que preveem o isolamento do paciente, uso excessivo de remédios e, por vezes, a prática da violência.

Sensível à causa do movimento, a também estudante de psicologia da FSBA, Thaís Nascimento, relata que participar de uma iniciativa como a peça Quem está Aí? foi uma experiência esclarecedora e motivacional. “As pessoas ainda são muito preconceituosas e não se colocam no lugar do outro. A gente precisa conhecer mais a beleza do outro”, aconselha Thaís. A futura psicóloga percebe que o trabalho de socializar o doente mental quebra barreiras e traz benefícios para todos os envolvidos no processo.

Foto: Faculdade Social da Bahia

Saindo dos palco e das coxias e indo para a público, os sentimentos de renovação e descoberta parecem ser os mesmos. O estudante Marcus Vinícius dos Santos, 22, que assistiu ao espetáculo no semestre passado, resume sua admiração com uma frase: “Assistirei de uma próxima vez”. Aliás, só assistindo ao espetáculo para entender o titulo deste texto!

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